Transtorno de personalidade borderline: como reconhecer e lidar
Em nosso último texto sobre saúde mental, falamos um pouco sobre transtornos emocionais e duas patologias comuns a esse tema: o transtorno de personalidade borderline e a bipolaridade.
Hoje, vamos explorar um pouco mais esse universo, pois achamos importante esclarecer a diferença entre as duas condições e também oferecer ferramentas para reconhecer e lidar com a síndrome de borderline.
Mas antes de falarmos sobre a diferença entre as disfunções, vamos revisitar as definições:
Transtorno afetivo bipolar: É um distúrbio psiquiátrico complexo que gera mudanças súbitas entre episódios de depressão e euforia. A bipolaridade é classificada em 4 tipos, de acordo com a intensidade, frequência e duração das crises. 1
Transtorno borderline: Também conhecida como transtorno de personalidade limítrofe. A síndrome de borderline é uma disfunção psiquiátrica que provoca mudanças súbitas no humor, no comportamento e na autoimagem do indivíduo. 2
Transtorno de personalidade borderline x transtorno afetivo bipolar
Observando as definições, fica mais fácil entender por que é comum que o transtorno de personalidade borderline seja confundido com a bipolaridade, não é? Nos dois casos, existe uma variação brusca das emoções, sentimentos e maneiras de se comportar, que geram confusão e surpresa naqueles que convivem com a pessoa.
Entretanto, para esclarecermos as diferenças, é importante compreender que no caso do transtorno bipolar há algo muito marcante que não existe na síndrome de boderline, são os episódios de mania. Este é outro termo que já falamos no post anterior, mas que vale a pena relembrar: 3
Mania: A mania é um desequilíbrio associado ao transtorno bipolar. Sua principal característica é uma excitação manifestada por hiperatividade mental e física. Também pela desorganização do comportamento e elevação do humor. É a fase maníaca do transtorno bipolar, que pode acontecer antes, durante ou depois de um período de depressão profunda. 4
Duração das crises
Além da mania, outra diferença que ajuda a separar a personalidade bipolar da borderline é a permanência das mudanças de humor. Isso porque num quadro de personalidade limítrofe, as mudanças no estado de ânimo são muito mais rápidas. Elas costumam durar algumas horas e acontecer várias vezes no mesmo dia.
Por outro lado, no transtorno bipolar, as mudanças de humor duram mais tempo. Os episódios de euforia duram pelo menos uma semana e os de depressão se mantém no mínimo por dois meses. 3
Etiologia e motivo das mudanças de humor
A razão, ou os gatilhos da mudança de humor também são diferentes. A instabilidade no estado de ânimo da pessoa com bipolaridade costuma ser um mau funcionamento dos neurotransmissores. O que afeta o funcionamento neurológico da pessoa. 3
Entretanto, no caso do transtorno de personalidade borderline, a mudança de humor está mais ligada as situações do dia a dia, por exemplo: relações interpessoais instáveis, stress, eventos traumáticos, etc. 3
Autoestima
É verdade que os dois transtornos mudam a percepção que a pessoa tem de si mesma e seu nível de autoestima. Por isso, é comum que os indivíduos afetados pelas duas patologias experimentem sentimentos como: inutilidade, vazio e de desmerecimento.
Mesmo assim, existe uma grande diferença: a pessoa com transtorno bipolar vivencia períodos de autoestima inflada, misturada a sentimentos de grandiosidade e supervalorização. Isso acontece nos episódios de mania que só aparecem nas pessoas que tem transtorno bipolar. 3
Duração dos sintomas
A pessoa com transtorno de personalidade borderline está sempre com humor mudando. Isso acontece em espaços de tempo muito curtos. Não existe momentos sem sintomas.
No entanto, no caso do transtorno bipolar, a pessoa passa por períodos de mania e depois por um período de depressão. Além disso, é comum que entre um momento e outro, existam fases em que os sintomas desaparecem completamente. 3
A incidência também é diferente 5
As duas condições também são diferentes no que diz a respeito à quantidade de diagnósticos. A Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) aponta que de 4% da população adulta mundial sofre de transtorno bipolar. O Brasil segue os mesmos indicadores, isso representa pelo menos 6 milhões de pessoas em nosso país.
Já o transtorno de personalidade borderline é ligeiramente mais comum – mundialmente falando. A estimativa é que 6% da população sofra do transtorno. No entanto, ainda não há estatísticas sobre brasileiras sobre o número de diagnósticos.
Como reconhecer a pessoa com transtorno de personalidade borderline 2
Pessoas com transtorno de personalidade borderline parecem vulcões prestes a explodir. Elas apresentam mudanças rápidas e extremas de humor. Muitas vezes são conhecidas como “pavio curto” e assustam pela facilidade com que se irritam com as situações e as pessoas ao seu redor.
Esse tipo de conduta compromete as relações interpessoais, pois é muito comum haver brigas constantes, já que pessoa com borderline tem pouca tolerância à frustrações e muito medo de ficar sozinha.
Esses “surtos” naturalmente geram no outro o sentimento de estar constantemente sendo pressionado. Também é comum o sentimento de que a pessoa com o transtorno é muito carente e insegura.
Esta suposição não é completamente infundada, pois transtorno de personalidade borderline causa uma extrema insegurança no indivíduo. Ele teme ser abandonado e com frequência vivencia o sentimento persistente de vazio e medo.
Como a pessoa com transtorno de personalidade borderline não gosta de ficar sozinha, o esforço que ela faz para evitar o abandono aparece em forma de crises, como tentativas suicidas, despertando no outro o sentimento de resgate e cuidado com ele.
A forma como essas pessoas percebem a si, ao mundo e o jeito como mudam de humor de um hora para outra, também os torna pessoas muito impulsivas. Isso explica porque a pessoa faz ameaças (e até tentativas) de suicídio. Essa é uma reação relativamente comum e desesperada ao alto nível de estresse.
É um grande sofrimento tanto para o portador da síndrome, quanto para como aqueles que convivem com ele. Por exemplo, uma só palavra mal colocada, uma situação inesperada e aparentemente sem importância pode levar o borderline a um acesso de raiva e ódio. Essas crises duram em média poucas horas.
Critérios de diagnóstico do transtorno de personalidade borderline
O Manual de Diagnóstico e Estatístico de Distúrbios Mentais, também conhecido como DSM-5 é um dos melhores instrumentos para diagnosticar a grande variedade de transtornos mentais conhecidos 6.
O documento, de autoria da Associação Americana de Psiquiatria, lista as diferentes categorias de transtornos mentais. O documento também propõe critérios para diagnosticá-los. Segundo o manual, é necessário que o médico psiquiatra identifique um padrão persistente de relacionamento, autoimagem e emoções instáveis junto com outros sintomas, por exemplo: 2
Sintomas
- Esforços desesperados para evitar abandono real ou imaginário;
- Padrão de relacionamentos interpessoais instáveis e intensos. Eles são caracterizados pela alternância entre extremos de idealização e desvalorização;
- Perturbação da identidade: instabilidade acentuada e persistente da autoimagem;
- Impulsividade em pelo menos duas áreas potencialmente autodestrutivas. Por exemplo: gastos, sexo, abuso de substância, direção irresponsável, compulsão alimentar;
- Recorrência de comportamento, gestos ou ameaças suicidas ou de comportamento automutilante;
- Instabilidade afetiva. Por exemplo: irritabilidade ou ansiedade intensa com duração geralmente de poucas horas e apenas raramente de mais de alguns dias;
- Sentimentos crônicos de vazio;
- Raiva intensa e inapropriada ou dificuldade em controlá-la (mostras frequentes de irritação, raiva constante, brigas recorrentes);
- Ideação paranoide transitória associada a estresse ou sintomas dissociativos intensos.
Além disso, o psiquiatra pode pedir exames físicos, de imagem e testes de laboratório com o intuito de eliminar outras possíveis causas para os sintomas. 2
Como lidar com o transtorno de personalidade borderline
Após o diagnóstico próprio ou de alguém de sua convivência, é muito importante buscar o tratamento adequado. A psicoterapia é provavelmente a principal aliada para quem busca a melhora dos aspectos emocionais, pois a terapia oferece auxílio em momentos de aflição e também permite um maior entendimento frente às questões da vida.2
O acompanhamento psicológico ajuda a amenizar os sintomas e a regular as emoções. O tratamento também vai ajudar a evitar os comportamentos impulsivos. Todas essas iniciativas irão contribuir para melhorar a qualidade das relações e estilo de vida do paciente com borderline.
Fazer contato com o psicólogo e o psiquiatra quando sentir um excesso de angústia é o melhor caminho. Isso vai aliviar a ansiedade que acompanha os sintomas. 2
Medicação
O psiquiatra pode indicar tratamento medicamentoso para contribuir com a estabilização do humor. Ele também poderá tratar outros transtornos mentais que coexistam com a doença. O profissional também irá indicar remédios que ajudem a controlar possíveis efeitos colaterais da doença. 6
Lembre-se que apenas um médico poderá avaliar a necessidade e o medicamento mais adequado para o paciente em questão. Por isso nunca se automedique!
Outras iniciativas ²
Passar a viver uma vida com mais equilíbrio e bem-estar é um ótimo caminho. Por exemplo, a prática de exercícios físicos, o sono regular e alimentação saudável são mudanças sempre muito bem-vindas.
Você também pode frequentar, indicar ou acompanhar grupos de apoio específicos para o transtorno de personalidade borderline. Isso porque construir uma rede de relacionamentos com pessoas que compartilhem dos mesmos desconfortos que você pode ser muito valioso para o tratamento.
Colaborou neste artigo:
Dr. Michel Haddad
CRM-SP 145096 / Especialidade: Psiquiatria
Referências bibliográficas e data de acesso
- Drauzio Varella 23/09/2019
- Minha Vida 23/09/2019
- Mundo dos Psicólogos 23/09/2019
- Portal São Franscisco 24/09/2019
- Saúde Abril 24/09/2019
- Veja 24/09/2019
- MSD Manuais 24/09/2019